quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O código de Hamurabi e a segurança das estruturas

Na edição 89, de Jan/Fev de 2012, da Revista Informa da ABECE - Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural, o Prof. Dr. Péricles Brasiliense Fusco apresenta um artigo técnico com título “Controle da Resistência do Concreto”, onde de forma brilhante discute desde conceitos básicos da Segurança Estrutural até elementos mais aprofundados sobre o controle da resistência do concreto.

O professor Fusco é reconhecido pelos ex-alunos e colegas pela capacidade de síntese e pela coragem ao enfrentar e derrubar as barreiras do conhecimento, o que resultou ao longo de sua trajetória em grandes contribuições para a engenharia.

Notoriamente em seus escritos emana uma verve muito pessoal, que consegue transpassar o trivial no tocante aos textos de caráter técnico, permitindo ao leitor entrar em contato não apenas com as questões óbvias, mas forçando ou despertando no mesmo o interesse filosófico sobre o problema. Isso se deve a sua natural habilidade em tecer comparações inusitadas, que sempre tem um perfil filosófico e histórico.

Como excelente pesquisador, o professor Fusco é provocativo em algumas de suas considerações, se tornando o melhor exemplo de um profissional onde as habilidades intelectuais ultrapassam fronteiras e permitem, como síntese do conhecimento, ver o homem e suas obras de forma mais ampla, com um propósito e uma ordenação lógica.
Um exemplo nesse artigo de tais aptidões está em uma afirmação que inquieta mesmo os mais experientes projetistas de estruturas. Na introdução desses conceitos sobre segurança, o professor Fusco de forma categórica afirma:
 

"A ideia de probabilização da segurança das estruturas sempre existiu, desde o código de Hamurabi. Não existe estrutura absolutamente segura. Sempre existirá uma probabilidade de ruína."


A afirmação chama a atenção não apenas por ser inquietante, na medida em que para muitos leigos as estruturas são consideradas quase sempre absolutamente seguras e, para alguns, até "eternas".

Sem querer buscar aprofundar tal afirmação ou alardear os leitores sobre a segurança de suas moradias, o que se deixa para aqueles que vão ler na íntegra o artigo, mas voltando à atenção para a referência ao código de Hamurabi, percebe-se o senso provocativo da questão.

Para muitos, esse código é referenciado apenas por tratar da velha lei de talião, "olho por olho, dente por dente". Mas o que isso tem a ver com a segurança das estruturas?

Buscando ler mais atentamente o código, encontra-se no capítulo XIII - médicos e veterinários; arquitetos e bateleiros (salários, honorários e responsabilidade), nos itens referentes às responsabilidades de um arquiteto ou construtor, que:

Art. 227 - "Se um construtor edificou uma casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho, e a casa que construiu caiu e causou a morte do dono da casa, esse construtor será morto.”
Ou ainda:
229º - Se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente e a casa que ele construiu cai e fere de morte o proprietário, esse arquiteto deverá ser morto.
230º - Se fere de morte o filho do proprietário, deverá ser morto o filho do arquiteto.
231º - Se mata um escravo do proprietário ele deverá dar ao proprietário da casa escravo por escravo.
232º - Se destrói bens, deverá indenizar tudo que destruiu e porque não executou solidamente a casa por ele construída, assim que essa é abatida, ele deverá refazer à sua custa a casa abatida.
233º - Se um arquiteto constrói para alguém uma casa e não a leva ao fim, se as paredes são viciosas, o arquiteto deverá à sua custa consolidar as paredes.”

De sorte que, com bom humor, obviamente evoluímos nos padrões de punição para algumas árduas tarefas, onde se destacam as construções das habitações humanas. Todavia, ficam as questões para o engenheiro de estruturas apontadas desde muito sobre como “reforçar”, tornar “sólido”, e não “viciosas”, as construções.

Fato é que têm-se hoje outros mecanismos para avaliar o desempenho, qualidade e segurança de uma estrutura, onde se incluem as ferramentas probabilísticas descritas no artigo, mas ainda fica a lição de que, em outros tempos, melhor noção sobre as atribuições humanas e suas limitações parece ter sido tônica dos legisladores.

Assim, fica a inquietante provocação: onde considerar-se apenas a responsabilidade que se traga também a limitação quanto ao exercício da profissão. Se os mesopotâmios, há mais de 1700 a.C., tinham a noção sobre as atribuições e limitações na sociedade sobre o papel de se construir habitações humanas, por que hoje tal noção foi esquecida? E qualquer um se acha no direito de construir?

Mais ainda, onde está a preocupação quanto a formação plena do construtor e suas atribuições? É simples convencionar-se que o problema da segurança está apenas correlacionado ao “reforço ou solidez do trabalho”, conforme Hamurabi. Mas, como é possível verificar no artigo apresentado pelo professor Fusco, a compreensão da segurança vai muito além, com modelos teóricos complexos e que dependem de abordagens técnicas sofisticadas e que, por vezes, não garantem os infortúnios, onde, por desgraça de alguns, faltou qualidade e compromisso ético por parte do construtor. Neste caso, fica a reflexão, trata-se de um caso de polícia ou de educação?

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