SOBRE A PROFISSÃO DO ENGENHEIRO CIVIL
(trechos retirados do PAC da Engenharia Civil)
Por: Ricardo Alvim
“Costuma-se pensar o engenheiro como uma parte da trilogia da ciência pura, ciência aplicada e engenharia. É necessário enfatizar que essa trilogia é apenas uma das tríades de trilogias nas quais a engenharia se encaixa.
Muitos problemas da engenharia são tão próximos das
questões sociais quanto são das ciências puras.”
Hardy Cross
O Surgimento do Engenheiro
Segundo o eminente Professor Péricles Brasiliense Fusco, da Escola Politécnica da USP, uma das possíveis explicações para a origem do termo engenheiro é aquela que decorre da palavra latina ingenium, derivada da raiz do verbo gignere, que significa gerar, produzir, isto é, o engenheiro é o encarregado da produção.
Com o advento de novos meios tecnológicos, a produção de bens em larga escala não podia mais ser obtida por meio de práticas primitivas. Daí a necessidade do engenheiro, que lidaria não apenas com a renovação dessas práticas ao longo dos anos, mas também com a transformação das regras de trabalho. Com o tempo, o engenheiro passou a atuar proporcionando soluções para diferentes problemas da vida humana em suas interações sociais e com o meio ambiente.
Tais soluções de engenharia vão da gestão dos meios de produção, até o transporte, comunicação, alimentos, saneamento, sistemas de distribuição de água e energia, entre outros. Sempre criando instrumentos, informações, dispositivos e processos, que garantam ao homem melhores condições de trabalho, uma vida mais digna e condições de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais empregados.
A Função do Engenheiro
O engenheiro lida, quando desempenha suas funções, com uma realidade física complexa. Somam-se a isso as limitações do conhecimento humano, que forçam o engenheiro a idealizar tal realidade.
Disso resulta um sistema profissional teórico-prático, que define o papel do engenheiro. De acordo com Péricles Brasiliense Fusco, neste sistema, o engenheiro lida com modelos simplificados, abstraídos do comportamento natural dos sistemas materiais. A partir desses modelos simplificados, percebe-se que o comportamento real dos sistemas materiais é sempre de natureza aleatória e dessa forma sempre estará afetado por incertezas e imperfeições. Neste modelo, são desprezadas as variáveis admitidas de menor importância para a descrição do sistema material.
O engenheiro deve então ser capaz de tornar decisões racionais e lógicas em face de tais incertezas. Onde tal “racionalidade” deve ser entendida pela coerência entre as decisões tomadas e os objetivos a serem alcançados, sendo para isso necessário resolver problemas por vezes complexos. A máxima eficiência nessas capacidades leva a excelência no exercício das funções do engenheiro e disso surge a sua principal vocação, isto é, a de ser um “tomador” de decisões, racionais e lógicas, e um solucionador de problemas.
O Projeto e o Exercício Profissional
É possível dizer que se constitui uma “arte” a capacidade de entender a natureza e se colocar como um elaborador de modelos que definam seu comportamento e resolvam problemas de interação entre o homem e o ambiente que o cerca. Essa arte pode ser chamada de “arte de engenhar”.
Para solução de problemas, deve o engenheiro possuir conhecimentos básicos de dois tipos: científicos e técnicos. Na prática, a busca de soluções para os problemas de engenharia é feita por meio do projeto, onde se aplicam de forma mais significativa tais conhecimentos.
Na verdade, para o desenvolvimento do projeto aplicam-se mais que conhecimentos formais. São usadas a experiência e o bom senso e, em especial, a intuição para dar espaço a imaginação e a capacidade criadora na busca de soluções novas. Neste sentido, o projeto é a essência da engenharia.
Na busca por um bom projeto o engenheiro deve realizar duas ações essências: a análise e a síntese. Na análise opera-se a simplificação do sistema físico real, que resulta no modelo simplificado; e na síntese ocorre a composição dos resultados obtidos a partir da solução conclusiva e objetiva do problema de engenharia. Tal interface com a natureza leva muitas vezes a confundir a função do engenheiro com a de um cientista.
A Ciência, tendo como premissa o Método Científico, tem por objetivo maior o conhecimento da natureza, sendo o trabalho do cientista baseado nesses princípios. Com isso, o cientista busca o entendimento dos fenômenos da natureza, mas não necessariamente a fabricação de produtos a partir da aplicação desses conhecimentos.
Portanto, o engenheiro não é um cientista, embora deva ter conhecimentos científicos. Seu papel vai ao encontro a sua origem na sociedade, com interfaces na Indústria e Artes.
“A Engenharia é a arte de dirigir as grandes
fontes de energia da natureza
para o uso e a conveniência do homem.”
Thomas Tredgold
Por sua vez, o trabalho no campo das Artes baseia-se na busca da produção perfeita das coisas, ou seja, a padrões estéticos aceitos pelo homem como adequados e que envolvem a simetria, a proporção e o ajuste das dimensões e formas aos modelos pretendidos e esperados. E que tem como base a inspiração encontrada na natureza, que confere soluções singulares para função e forma dos seres vivos.
Por outro lado, este trabalho é baseado em regras de produção. Quando envolve as Belas Artes, tais profissionais são chamados de artistas. Os profissionais das Artes Industriais, hoje em dia designadas por Técnicas, onde atuam artesãos ou artífices e técnicos.
Os artesãos têm habilidades manuais para construir dispositivos especificados pelos cientistas, engenheiros e técnicos. E estes trabalham com os engenheiros e cientistas para realizar tarefas específicas como desenhos, procedimentos experimentais e construção de modelos.
Os artesãos têm habilidades manuais para construir dispositivos especificados pelos cientistas, engenheiros e técnicos. E estes trabalham com os engenheiros e cientistas para realizar tarefas específicas como desenhos, procedimentos experimentais e construção de modelos.
Por sua vez, o engenheiro se caracteriza por seu conhecimento amplo das regras de trabalho e, principalmente, por possuir conhecimentos científicos que lhe permitem entender a razão de tais regras.
Isto significa que o engenheiro é um profissional capaz de se encarregar da condução dos processos produtivos, não apenas por conhecer as regras de trabalho, mas por ter conhecimentos científicos, que lhe permitem aceitar ou provocar a mudança de tais regras, em cada aspecto dos processos de produção, sempre que necessário.
O Papel do Engenheiro Hoje
O produto do trabalho do engenheiro sempre faz parte de um processo de fabricação ou de operação de sistemas materiais. Mas seu papel vai mais além.
No cumprimento do seu dever pleno, às atividades típicas de um engenheiro, que compreendem o processo pelo qual se define a “arte de engenhar”, soma-se uma responsabilidade social e o exercício pleno de sua cidadania.
Este processo de transformação da engenharia, de razoável complexidade, requer nos dias de hoje engenheiros cada vez mais capazes de intervir ativamente nos processos de produção em todas as suas fases. Além disso, devem ser dotados de ampla base de conhecimentos.
Com isso, abandona-se a visão de uma formação especializada e compartimentada do conhecimento e passa-se a uma visão generalista e, sobretudo, integrada, fazendo desse engenheiro não apenas um espectador do processo, mas um profissional apto a tomadas de decisão.
Isso inclui uma ampla base científica e tecnológica, de modo a que seja possível adquirir ainda em âmbito acadêmico os fundamentos necessários para uma avaliação criteriosa das atividades de engenharia. Desse modo, os futuros engenheiros não se tornam meros aplicadores dos conhecimentos vigentes, mas árbitros bem embasados da “arte de engenhar”.
Para viabilizar a formação mais ampla do engenheiro torna-se necessário aprender a criticar esse conhecimento. Este hábito salutar será a base do novo engenheiro, que apesar de não ser um “cientista” compreende os princípios básicos que constituem a Ciência. Desse modo, compreende a natureza e torna-se capaz de selecionar, criticar, alterar e renovar as regras, os métodos e procedimentos de trabalho.
As novas tecnologias que se apresentam serão, então, ferramentas úteis, pois serão também avaliadas em suas reais qualidades e eficiências. Não obstante, no século que se inicia, cobra-se cada vez mais qualidade e eficiência nas atividades de engenharia. O novo engenheiro deve ter em mente não apenas os procedimentos usuais, mas a capacidade de agregar qualidade e eficiência ainda maiores aos níveis já alcançados.
A Engenharia Civil
O termo civil decorre da palavra latina civitas. Os romanos tinham duas palavras para a idéia de cidade: urbs para a cidade material e civitas para a cidade como instituição social ou como conjunto de regras sociais estáveis. De urbs decorreu a palavra urbano e de civitas derivaram as palavras cidade e cidadão.
Dessa forma, o engenheiro civil cuida dos sistemas materiais próprios da vida nas cidades, ou seja, é a engenharia que permite a manutenção da civilização urbana, com suas diferentes interfaces com a natureza.
É a cidade, com suas organizações, que favorece a moradia mais confortável, a especialização do trabalho e a multiplicidade de contatos sociais que permitem a exploração de todas as potencialidades da personalidade humana. Nesses ambientes devem estar garantidos, além de morar, outros aspectos das ações humanas como trabalhar, recrear e circular.
As atividades do engenheiro civil estão ligadas, portanto, às funções das cidades, com a mais diversificada variedade de problemas, mas que englobam um número grande de necessidades. Na engenharia civil, tais problemas levaram ao surgimento de especialidades, tais como: transportes, solos, hidráulicas, saneamento, elétrica, estruturas, entre outras.
Engenharia Civil no Brasil
No Brasil, a Engenharia deu seus primeiros passos, de forma sistemática, ainda no período colonial, com a construção de fortificações e igrejas.
O método empregado na construção estava diretamente relacionado aos problemas enfrentados durante a colonização. Com as preocupações quanto a invasões e a dificuldade de penetrar o território continental, de florestas hostis e de madeira dura, os portugueses enfrentaram ainda a necessidade de dominar a navegação na costa brasileira, do que resultou na construção de faróis, portos e fortes em pedra. A associação entre o aspecto de segurança e a construção em pedra é traço notório da engenharia brasileira desde então, com forte influência da tradição portuguesa.
A criação de uma escola de Engenharia Civil brasileira iniciou-se com a criação da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, em 1792, cuja missão era a formação de oficiais de cavalaria, infantaria, artilharia, e engenharia, para a força militar do Brasil Colônia. Com a chegada da Família Real ao País, em 1808, a então recém fundada Real Academia foi reformada, resultando na fundação da Real Academia Militar do Rio de Janeiro, em 1811. O objetivo era formar oficiais da artilharia, além de engenheiros e cartógrafos. O sexto ano era dedicado exclusivamente à engenharia civil (TELLES, 1994). Nesse ambiente, verificava-se o traço notório das construções fortificadas e sua influência na formação dos engenheiros civis.
De acordo com os registros históricos (OLIVEIRA, 2000), o ensino de engenharia no Brasil, na Real Academia, foi, também, o primeiro a funcionar de maneira regular nas Américas.
Em 1842, a academia foi transformada em Escola Central de Engenharia. Em 1858 a função civil foi separada da militar, originando a Escola Central e o Instituto Militar de Engenharia. Após 32 anos, em 1874 a Escola Central foi convertida em curso exclusivo de Engenharia Civil. Essa instituição é, hoje, a Escola Nacional de Engenharia.
Organizada em instituições, a Engenharia Civil ganhou estudos mais sistematizados e as cidades passaram a crescer vertiginosamente, numa velocidade nunca antes registrada.
Com o passar dos anos o país foi passando por diferentes momentos históricos. A economia viveu momentos de grande crescimento seguidos de grandes estagnações. A Engenharia Civil sempre foi ao longo dos anos um forte indicador desses movimentos, principalmente pelas demandas imediatas geradas com o crescimento do comércio e da indústria.
Vieram os altos edifícios, as pontes de grande extensão, o sistema de saneamento básico, as estradas pavimentadas, os estádios de futebol, e outras praças desportivas, as barragens, o metrô entre outras inúmeras obras de grande porte.
Para construir tais obras o engenheiro precisa adquirir conhecimentos profundos em pelo menos cinco grandes áreas: estruturas, estradas e transportes, hidráulica e saneamento, geotecnia, materiais e construção civil. São essas as modalidades que hoje compõem a base dos currículos das escolas de engenharia civil.