terça-feira, 17 de abril de 2012

A Construção Civil Sustentável - um sonho possível

Por Ricardo Alvim, professor e pesquisador da UESC.

A construção civil sustentável é possível? Acreditamos que sim. Todavia, muitos desafios ainda precisam ser superados. Neste texto, veremos alguns desses desafios. E propostas que podem se tornar novos caminhos.

A Construção Civil convencional é a maior geradora de RCD - Resíduos de Construção e Demolição, gerando um volume quase duas vezes maior que o volume de lixo sólido urbano, em geral retroalimentado por obras ilegais e não fiscalizadas adequadamente. 


É responsável pelo consumo de grande parte dos recursos naturais extraídos do planeta, como 60% de toda a madeira extraída (dados da FAO), 40% da energia consumida e 15% da água potável.
Na construção de casas e edifícios no Brasil, estimam-se em 30% as perdas de materiais. Isso se deve ao baixo nível de controle da qualidade nos processos construtivos, técnicas equivocadas e projetos mal feitos.
No Brasil, estimam-se ainda que 80% das construções sejam feitas em sistemas em Concreto Armado, com vedações (paredes) feitas com blocos cerâmicos.

Quando não previstos em projetos (contabilizados), verificam-se enormes perdas de materiais, maiores custos de construção e atrasos decorrentes de adaptações, modificações, interações entre sistemas (hidráulico, elétrico, estrutural, entre outros), escolha incorreta de materiais e técnicas construtivas.
Ainda é muito frequente a quebra de paredes para instalações de tubulações elétricas e hidráulicas nas construções, com perdas que chegam a 15% de materiais.
Projetos estruturais mal executados levam a discrepâncias entre os diferentes sistemas existentes, que vez ou outra não deixam alternativa a não ser refazer parte da estrutura, desmontar, quebrar, furar, entre outras medidas corretivas, que levam ao aumento dos custos e atrasos.
Os sistemas hidráulicos e elétricos produzidos no Brasil apresentam pouca inovação tecnológica. São difíceis de instalar, operar e passar por manutenções. Aumentando o custo do uso e manutenção da construção, quando em operação. Além de não possuírem elementos de economia durante o uso, com tendência ao desperdício de água e energia elétrica. Um exemplo notório são os vasos sanitários produzidos no Brasil, que apresentam tecnologia antiga, gastando grande quantidade de água. Os sistemas mais modernos, a vácuo, são caros e não atingem a grande maioria da população. Ainda se tem como outro exemplo, torneiras pouco eficientes, tecnologicamente atrasadas e que jogam água literalmente no lixo, porque projetos que levam em conta o reúso da água ainda são pouco conhecidos da população e meio técnico em geral. Uma simples torneira, com um simples gotejamento, pode desperdiçar até 60 litros de água por dia.
Quando se trata de reúso da água, o problema se torna ainda mais sério, porque poucos são os cursos universitários preocupados em ensinar técnicas que permitam tais aproveitamentos, com previsão disso ainda na fase de projeto. A UESC está na vanguarda nesse sentido, prevendo diferentes disciplinas em sua matriz curricular onde tais temas são tratados.

A reutilização e reciclagem de materiais ainda está numa fase muito mais de "marketing" do que propriamente de realidade para o mercado brasileiro. Encontram-se exemplos de reciclagem, mas estão longe de se tornar algo incorporado as práticas da construção em larga escala.
Isso se torna ainda mais grave quando se considera que na Construção Civil boa parte das obras ainda é feita sem acompanhamento técnico de um profissional capacitado. Sendo o exercício ilegal da profissão prática pouco combatida no Brasil.
Na UESC, pesquisas com novos materiais compósitos têm permitido misturar em diferentes proporções isopor, fibras de piaçava e argamassa de cimento (Projeto Temas Estratégicos, Edital 8/2008, com apoio da FAPESB, intitulado: “Desenvolvimento de Novos Blocos de Alvenaria de Cimento Leve Reforçados com Fibras Vegetais”). Por esses estudos, os pesquisadores da UESC verificaram que a adição de fibras as argamassas de cimento leve permitem não apenas recuperar parte da resistência, perdida pela adição de isopor, EVA ou outros materiais leves, como modificar o modo de ruptura, que passa de frágil para dúctil.
A pesquisa vem dar origem a uma patente de um novo tipo de bloco de alvenaria, o bloco BIOLEVE S, que apresenta uma proposta de novo sistema construtivo, com encaixes que dispensam o uso de argamassa. Além do aproveitamento de cimento leve reforçado com fibras de piaçava na composição do material de fabricação. Também emprega uso de garrafas PET, tanto para gerar vazios que aumentem a leveza do material, quanto permitir servir de zonas de encaixe dos blocos. As pesquisa já estão em fase final, com ensaios em andamento e resultados experimentais promissores, que levaram ao pedido de patente, em curso. 

A incorporação de fibras vegetais em materiais de construção é, na verdade, prática antiga. Nascida na África e trazida para o Brasil com os escravos, vem do barro, é natural, foi e continua sendo usada em grandes e importantes civilizações. Trata-se do Adobe, que emprega apenas barro, palha e água para sua fabricação. Os resíduos são misturados e pisoteados até formarem uma massa homogênea, que quando está pronta é moldada em forma de blocos.

A valorização do antigo, atualizado por pesquisas, é sempre uma fonte de inspiração. A Bahia é um estado rico nesse sentido. E é possível aproveitar essa riqueza cultural com o correto incentivo a pesquisa dentro dos meios acadêmicos.
Para aqueles que têm dúvidas, na Alemanha, na cidade de Weilburg, encontra-se o prédio mais alto da Europa construído de terra crua (taipa-de-pilão). Com 7 andares, o prédio já resistiu a um incêndio e tem quase 200 anos.

Aqui, certamente enfrentar-se-ia toda sorte de questionamento ao usar tais materiais. Inclusive dessas culturas, intencionalmente plantadas, que consideram o reaproveitamento de materiais inadequado. Mais do que isso: perigoso. Isso não só não tem lógica como é possível facilmente acabar com tais mitos.

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