terça-feira, 17 de abril de 2012

Em Defesa de uma Matriz Curricular Clássica para o Ensino de Engenharia

Por Ricardo Alvim, professor e pesquisador da UESC

Este texto não representa necessariamente as opiniões dos membros do Colegiado do Curso de Engenharia Civil da UESC, dos seus departamentos e da própria instituição, sendo opiniões e análises de caráter autoral individual.

Tem se tornado comum a grita de entidades ligadas a indústria para a modificação, ou a modernização, segundo seus defensores, das matrizes curriculares dos cursos de Engenharia no Brasil.
De acordo com alguns dos defensores dessas ideias, uma das causas da elevada evasão observada nos cursos de engenharia, cerca de 35%, está relacionada à distância entre os currículos dos cursos e a solução concreta de problemas impostos pela realidade do mercado.
Mas o que é a “realidade do mercado”? Fazer obras públicas? Construir edifícios? Pontes? Estradas de ferro? Explorar petróleo? Excluindo os edifícios residências e comerciais, onde está o crescimento sustentável dessas demandas? Até quando?
A razão da evasão é justificada pelos especialistas por alguns fatores: (i) pelo grau de dificuldade dos cursos de engenharia, que exigem maior dedicação; (ii) a necessidade de conjugar trabalho e estudo por parte do aluno, ou o que dele se exija atuar em outras atividades; (iii) baixa interligação das disciplinas básicas nos dois primeiros anos do curso com a profissão.
Os três argumentos são falsos!
Em primeiro lugar, a maior exigência e dedicação aos cursos de engenharia é um mito. A engenharia não exige maior ou menor dedicação que qualquer outro curso! A engenharia exige vocação! A “dificuldade” apontada é confundida com a falta de vocação e preparo dos ingressantes. Há, isso sim, falhas grotescas na formação do aluno egresso do ensino médio, desde a sua formação fundamental. Com defensores da modificação, redução ainda maior, das matrizes do ensino médio, retirando, ou tornando opcional, por exemplo, o ensino da Matemática, Física e Química. Argumentando-se que esses conhecimentos não são usados na vida ou no dia-a-dia dos alunos assim formados.  O que é mais um argumento retrogrado e anacrônico. Deve-se, alternativamente, investir-se na criação de estímulos. Onde estão os museus de Ciências, Tecnologia, Biologia, História? Um exemplo que poderia ser copiado no Brasil encontra-se em São Paulo, o Museu Catavento (http://www.cataventocultural.org.br/home.asp), onde é possível para crianças e adultos apreender de forma lúdica e estimular o amor pelas diferentes áreas do saber. Mais ainda, nos EUA e países da Europa investe-se nesses estímulos fortemente. Discutem constantemente a formação básica e encaram essas questões como estratégicas para o desenvolvimento de suas economias.
O segundo argumento é também falso. Quanto ao trabalho, referem-se a realidade das instituições particulares, que funcionam em horários noturnos, com salas lotadas com mais 90 alunos, geralmente acima das cotas aprovadas pelo MEC, usando-se como argumento o preenchimento de vagas remanescentes de outras turmas de anos anteriores, não preenchidas nos processos de seleção ou por repetência. Na verdade, o aluno trabalha e estuda nessas instituições, porque essa é a realidade desse alunado, geralmente mais maduro e que vê a formação nas faculdades como um elemento complementar as suas carreiras, nem sempre como primeira opção. Se para o curso esse aluno não tem vocação ou pré-requisitos, o que deve ser feito? Baixar a qualidade do curso? Isso é degradante; e se aplicado de forma generalizada, por força e lobby da indústria, criará uma geração de pseudo-engenheiros, sem qualificação para atuar em qualquer que seja o mercado.
Em terceiro lugar, o que significa “baixa interligação das disciplinas básicas nos primeiros anos do curso com a profissão”? Significa ensinar Matemática, Física e Química. Mas isso é essencial! São conhecimento básicos. Como fazer um aluno de Engenharia Civil ou Mecânica, por exemplo, entender Dinâmica das Estruturas se o mesmo não sabe Mecânica das Vibrações, Trigonometria, Funções Complexas, Cálculo Diferencial e Integral, entre outras importantes bases do conhecimento? Isso é o que se chama “núcleo duro básico” da formação do engenheiro, e não pode ser negligenciado, abandonado ou descartado.
Não existe mágica! O Brasil precisa de engenheiros para calcular, inovar e desenvolver novas tecnologias, explorar e reciclar. Não precisamos copiar modelos de outros países, muito menos suas taxas de inserção e formação de engenheiros. Mesmo porque o Brasil é um país singular, que experimenta um crescimento sem precedentes em um curto espaço de tempo. Após décadas de estagnação, têm-se, ao invés de modificar as matrizes de formação existentes, que forçar um retorno às origens, com a formação ampla do engenheiro, clássica. Só assim é possível se garantir a inserção desse profissional, com formação complementar em pós-graduação, em outras áreas do conhecimento. E mais do que a capacidade de assimilar mimeticamente o conhecimento, trazer à luz novas perguntas e questionamentos.
Outra proposta polêmica, que está sendo implantada em cursos de instituições federais, está no Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnológica. Isso pode representar um retrocesso, ou cópia distorcida de modelos de outros países. Uma coisa é unir a formação básica nos cursos de engenharia, outra é forçar a união com outras áreas do conhecimento, como Biológicas, Humanas, etc.
O que se tenta é facilitar a criação de vagas a qualquer custo, e facilitar a formação em quantidade, cedendo aos apelos da indústria, e a modelos de instituições particulares e públicas em busca de economia, que não vendo como competir em termos de qualidade com os centros de excelência, tentam de toda forma modificar as matrizes de instituições que invejam, nivelando por baixo o ensino, uma vez que as suas matrizes curriculares são modificadas quase permanentemente todos os anos, sem controle rigoroso do MEC, em especial nas particulares. A estratégia é desfigurar a formação do engenheiro, usando argumentos fantasiosos de que o problema da má qualidade dos profissionais formados está na maneira como se forma. Na verdade, o problema é esse, mas não reside na matriz curricular, e sim na ausência de infra-estrutura e na desvalorização da carreira docente no país. O professor ganha baixos salários e cada vez mais faltam profissionais capacitados para o exercício da docência no nível superior.
Os cursos de engenharia estão virando verdadeiras “saladas de frutas” com isso. E depois se questiona a qualidade do egresso? Como formar um engenheiro sem as cadeiras essências de formação? Não se trata de formar um sociólogo, psicólogo, administrador, economista ou qualquer que seja a área em que a indústria venha exigir maiores conhecimentos de um engenheiro. Isso é feito de forma complementar, em pós-graduação.
A função de um curso de engenharia é forma um engenheiro na essência.
Nas propostas de revisão das matrizes curriculares surgem, por exemplo, ideias estapafúrdias como a inclusão de idiomas estrangeiros. Ora, hoje, como já há alguns anos, volta à tona a ideia de incluir a língua inglesa como disciplina obrigatória nos cursos de engenharia, argumentando-se ser esse idioma fundamental. De acordo com a indústria, passa a ser um diferencial na facilitação da “empregabilidade” do futuro engenheiro. Mas consegue-se fazer alguém aprender inglês em 60 h de disciplinas geralmente de caráter instrumental? Não é possível. E essa é a resposta que vem sendo colhida há décadas nas experiências já tentadas. Não há nada de novo nisso! Aqueles que aprendem outros idiomas o fazem por outros meios. Sim, porque a academia não é um “cursinho de inglês”. E se em 10 ou 20 anos a principal língua no mundo for o Mandarim? Com o forte crescimento da China, isso pode se tornar realidade. Então devemos ensinar a falar Chinês nos cursos de Engenharia desde já?
Além disso, a indústria apela para alguns fatores que considera essenciais na formação de um engenheiro, tais como: trabalho em equipe, atitude empreendedora, visão social, senso ético, respeito ambiental, comunicação, além de desafios e soluções de problemas da indústria. Mas apelam para que isso seja feito pela inserção de disciplinas, e a retirada de cadeiras clássicas. Mesmo porque não é possível incluir disciplinas sem retirar outras, tendo em vista que um curso de 5 anos não consegue comportar mais que 4500 h. E em algumas instituições é mínimo que se pratica, disfarçado, isto é, 3600 h, incluindo atividades complementares, etc.
Bem, o Curso de Engenharia Civil da UESC está na dianteira, quando propõe inúmeras ferramentas de formação modernas, em especial, as cadeiras de Projeto Integrado, com semestres temáticos. Onde temas como esses propostos são abordados, mas devem ser feitos não por disciplinas específicas, mas pela união dos conhecimentos em projetos que abordam tais questões. É um erro grotesco substituir a cadeira de Projeto de Estruturas de Madeira, por exemplo, disciplina que vem sumindo das matrizes dos cursos de Engenharia Civil pelo Brasil, por disciplinas de Engenharia Ambiental. O correto é discutir o segundo tema dentro das disciplinas onde esse contexto torna-se relevante, inclusive em Madeiras.
A criação e substituição de disciplinas nas matrizes dos cursos de Engenharia Civil virou modismo. Primeiro, para “facilitar” a formação do engenheiro, que quando não teve formação sólida nas áreas de Exatas, sofre para desenvolver projetos. Com isso, para as instituições de ensino fica mais barato contratar um único professor de “Administração”, para mais de um curso, por exemplo, e eliminar alguém que só ministra Projeto de Estruturas de Madeira, apenas no curso de Engenharia. Depois, quando se verifica que no Japão se constrói muito mais em Madeira que no Brasil, empresas e o Estado contratam engenheiros e arquitetos como consultores para ensinar o que muitos engenheiros brasileiros já não sabem, com exceção de poucos que sobraram dos cursos de engenharia civil clássicos.
Nas instituições públicas, por exemplo, a criação e modificação de matrizes curriculares gera uma verdadeira guerra interna. Novos cursos, ou a modificação dos existentes, quase sempre são vistos de forma clientelista. É a oportunidade de criação de novos empregos. Novas vagas para professores. Barganhas entre departamentos e outras negociações, incluindo a "sociedade organizada". Disso surge um conflito interno, onde para justificar a contratação de um historiador, inclui-se uma disciplina de História, qualquer que seja a razão, em um curso de Engenharia, que acaba por ocupar o lugar de outra disciplina que seria mais importante para formação de um engenheiro. E isso serve a que propósito? Compensar as deficiências do ensino básico é que não é! Não, justifica-se que um engenheiro precisa saber História. Mas já não sabe? Para que serve o ensino básico?
Outro aspecto defendido pela indústria é a introdução no novo currículo de conceitos e práticas nas temáticas de gestão da inovação, propriedade intelectual, empreendedorismo, gerenciamento de projetos etc., com foco em inovação tecnológica para solução de problemas do setor produtivo.
A palavra “inovação” virou uma verdadeira panacéia no Brasil. É a palavra da moda, usada para quase tudo, desde as políticas públicas ou mesmo industriais, como um dia foi a sustentabilidade. Copia-se aí o modelo dos países orientais, como a China, Índia, Coréia, entre outros. Mas qual é a lição verdadeira que esses países nos passam? Apenas formar mão-de-obra? Não, o verdadeiro precursor é a qualidade da formação. E revisar as matrizes curriculares para baixo não resolve a questão. Ao contrário, a observação a ser feita é como é formado um engenheiro japonês, por exemplo. Sabe Matemática, Física e Química? Sim, e muito! E com isso, não se torna um mero assimilador de conhecimentos. De fato, se torna capaz de questionar o conhecimento existente; e apenas dessa maneira empurrar a barreira do conhecimento.
A indústria apela mais, afirmando que o engenheiro que escolhe cursar uma pós-graduação não serve para o mercado. Pós-graduação é para quem vai seguir a vida acadêmica, afirmam os tecnocrátas, CEOs e consultores de mercado de plantão. Não é o que pensa a Alemanha. Lá, a formação de um engenheiro só está completa ao passar pela pós-graduação. E a Alemanha é reconhecida pela inovação na área de engenharia.
Há um mito de que só se forma engenheiro para o mercado quando os problemas do mercado são enfrentados desde a formação do engenheiro na academia. Isso é mais uma lenda. De fato, os problemas da indústria são importantes, e devem ser tratados pelo meio acadêmico. E são, dentro dos ambientes de estágios. Que foram recentemente regulados, para coibir os exessos. Quantas vezes já se ouviu em uma indústria a frase: "Esqueça o que você aprendeu na universidade!".
Mas tais interações entre academia e indústria devem ser motivadas por contribuições mútuas. Não é a academia que deve servir apenas a indústria, mas a indústria que deve buscar servir a academia. As universidades servem a sociedade e seus ideias norteadores. Que são dinâmicos e envolvem várias questões motivadoras, não apenas de momento, mas pensadas estrategicamente, conforme políticas públicas de longo prazo.
Nos EUA, por exemplo, as parcerias entre as indústrias e as universidades vão mais além do que questionar a formação dos engenheiros. A indústria naquele país vai às escolas e injeta dinheiro. Sabe da importância desse estímulo. Cria laboratórios de ensino e pesquisa. Sim, porque não há Iniciação Científica e inovação sem laboratórios de pesquisa e ambientes pensados para comportar esses alunos. Senão, a universidade virá um "colégio". Com tais parcerias, se abrem caminhos para novas pesquisas e inovação.
Todavia, o empresário brasileiro tem uma visão tacanha de como funciona a pesquisa nas universidades. E falar em investimentos na pesquisa nas universidades é ainda tema proibido para muitos.  Algumas indústrias de ponta no Brasil chegaram ao ponto de criar seus próprios laboratórios e sucumbiram frente aos investimentos. 
Para outros, Isso é função apenas do Estado. E seus impostos são para isso. Será? Será que os impostos não estão embutidos nos preços dos produtos? É o custo Brasil.

E dessa forma não há como exigir um profissional específico para cada setor da indústria.
A Petrobrás, por exemplo, criou cursos de Engenharia do Petróleo porque percebeu que só de forma complementar, em pós-graduação, conseguiria transmitir os conhecimentos que gostaria de ter dos seus engenheiros. Por que a indústria brasileira não faz o mesmo? Investe em cursos de pós-graduação de caráter profissional? Voltados para setores específicos, tais cursos podem ser a resposta que se almeja no curto prazo. Para isso, é preciso investir em pesquisa, laboratórios, melhor remuneração de Doutores e sua formação.
A UESC teve a coragem de criar 4 novos cursos de engenharia em 2011, Civil, Elétrica, Química e Mecânica. Projetos inovadores que exigirão grande atenção da sociedade baiana nos próximos anos. E investimentos fortes por parte do Estado. Esses cursos atendem a demanda pela interiorização de novos cursos universitários e a criação de novos cursos de engenharia públicos e gratuitos. E ainda promovem integração com as demais áreas do saber, pela forte ampliação da matriz curricular, com forte carga horária, envolvendo as questões sociais e culturais. Além da opção pela formação sólida do engenheiro pretendido desde sua base.
Neste texto, fica o apelo para que a indústria conheça tais projetos. Faça investimentos reais. Certamente isso permitirá colher resultados tangíveis nos próximos anos para a região de entorno desses cursos e, mais ainda, para todo o Estado da Bahia.

Pesquisadores da UESC publicam artigo na RPEE

Pesquisadores da UESC publicaram recentemente artigo sobre novas metologias para intervenções em estruturas de madeira antigas, publicado na Revista Portuguesa de Engenharia de Estruturas - RPEE.

Trata-se do estudo de novas técnicas de análise, intervenção e monitoração de estruturas de cobertura de grande porte. As estruturas em questão foram construídas em São Paulo na década de 40, pelo eminente engenheiro Erwing Hauff, e estão entre as maiores coberturas do Brasil.

A estrutura do Ginásio Poliesportivo do Pacaembu, por exemplo, possui 12 metros de altura, com arcos em madeira de seção composta, ligadas por entalhes e pinos de madeira.




Outra estrutura avaliada foi a estrutura do Centro de Compras da Barra Funda, também em São Paulo. Bem maior, esssa cobertura possui 24 m de altura. Possui um arranjo tridimensional muito complexo.

O artigo teve como base recente apresentação no CIMAD 11, em Coimbra - Portugal, que recebeu o prêmio Tafibra, tendo ficado na segunda colocação entre os melhores trabalhos publicados. E dessa forma, selecionado para a publicação na RPEE, em edição especial de Dezembro de 2011.

Reflexões sobre a Segurança das Estruturas

Por Ricardo Alvim, com base em apresentação do Prof. Fernando Stucchi.

Em uma de suas apresentações no Instituto de Engenharia, em outubro de 2010, intitulada: O Controle da Resistência do Concreto e a Teoria da Confiabilidade, o professor Fernando Rebouças Stucchi trouxe uma interessante sistematização do conhecimento com referência as teorias de segurança, em especial, relativas ao concreto armado.

Segundo o professor Stucchi, a segurança de uma estrutura exige:
1)    Confiabilidade
2)    Dutilidade
3)    Fidelidade
4)    Durabilidade

A confiabilidade depende da probabilidade de ruína de uma estrutura. Estudos indicam que esta é bastante pequena, isto é, da ordem de 1 em 1 milhão, (10-6). Comparando com outros riscos à vida humana, o risco envolvido não configura-se um evento tão raro quanto se pensa, mas depende de uma avalição ampla para melhor compreensão.

Quando se riscos são comparados, é  necessário certo cuidado, pois a natureza dos eventos é diferente. Mas só a título de curiosidade, o primeiro lugar disparado na lista de riscos é a estrada. A chance é de 1 em 19 mil de sofrer um acidente de carro fatal. A chance de morrer atingido por um raio é de 1 em 4,2 milhões. A probabilidade de ser vítima de um acidente de trem é de 1 em 5 milhões. No caso da queda de um avião, tal probabilidade gira em torno de 1 em 8,5 milhões. Vemos que essas últimas são menores que a queda de uma estrutura civil.

O fato é que, muito embora, os riscos sejam previsíveis, e quantificáveis, o fator subjetivo, e as impressões humanas são muito importantes no aspecto da segurança. E a confiabilidade, portanto, estará ligada também a outros fatores de segurança, que precisarão ser vistos em conjunto.

A dutilidade pode ser definida como a capacidade de adaptação e aviso das estruturas sob determinadas condições de uso. 

Os principais materiais estruturais, aço, madeira e concreto armado, se deformam sob a ação de carregamentos. E os níveis de deformação convencionalmente aceitos para o projeto são definidos pelas normas técnicas.

Uma estrutura de concreto armado, por exemplo, deve ser projetada para apresentar deformações significativas na iminência de um colapso, com as armaduras deformando da ordem de 10 por mil, isto é, 1 mm em cada metro (=1000 mm). De forma expedita, é possível contar as fissuras em uma viga e verificar estados severos de fissuração. Ao observar, em uma região central de uma viga, zona inferior sob tração, mais de 10 fissuras com abertura superior a 1 mm em cada metro, é possível induzir que as armaduras estejam escoadas, isto é, que atingiram tensões de escoamento do aço, em virtude dos mecanismos de aderência entre o concreto e o aço.

De certa forma, tais níveis de deformação implicam em estruturas fissuradas de forma generalizada, o que se costuma chamar de estado de fissuração sistemática. Mais do que isso, a fissuração denuncia aos usuários estados patológicos e permite intervenções e a correta manutenção das estruturas.

Nos casos severos, a deformação exagerada das estruturas pode servir de aviso ao colapso. E permite, em certos casos, a redistribuição de esforços, com a adaptação das estruturas a novas condições de equilíbrio, por vezes instáveis na iminência do colapso, mas suficientes para evacuar a estrutura.

O outro mecanismo de colapso, em contraposição, é abrupto, sem aviso. A estrutura está superarmada, isto é, apresenta armaduras em exagero. E na iminência do colapso o concreto comprimido se rompe sem que a armadura atinja sua deformação de escoamento (não há grandes deformações do aço nem fissuração do concreto que sirvam de advertência). Nestes casos, as peças são antieconômicas, pois o aço não é utilizado com toda a sua capacidade resistente; assim, se possível, tais situações devem ser evitadas.

Todavia, os engenheiros inexperientes têm preferido delegar muitas vezes a programas de cálculo a decisão sob os domínios do projeto. Estruturas com dimensões e armaduras em exagero, ou sequer avaliadas sob essa ótica, têm se tornado mais freqüentes.

Além disso, obras sem a devida fiscalização, sem a orientação de um profissional técnico especializado têm contribuído para um número maior de acidentes. Modificações em padrões estruturais devem ser vistos com cautela, e as intervenções realizadas com técnicas corretas. 
Torna-se comum a mudança de projetos, com destinação e modificação de uso feitas sem as devidas análises e registros. Uma obra não legalizada perpetua uma modificação de uso sem o devido registro para a posteridade. Além de arriscada, tais modificações podem trazer consequências desastrosas no futuro, pois os profissionais que tiverem que atuar em novas reformas vão fazer isso sem conhecer a verdadeira história daquela estrutura. 
Outro erro frequente é realizar tais obras com técnicas equivocadas de intervenção, sem escoramentos, armazenamento incorreto de materiais, acúmulo e retirada de entulho em locais impróprios, demolição indevida de elementos estruturais, entre outros. 

Quando isso é somado ao desconhecimento da sobrecarga já enfrentada pela estrutura decorrente de reformas anteriores, o resultado pode ser o colapso sem aviso e abrupto da estrutura.

A fidelidade deve ser entendida como ausência de alarme falso. Não basta a estrutura ser segura, esta não pode criar falsos alarmes ou expectativas negativas aos seus usuários. 
Um exemplo disso são os estádios de futebol brasileiros. Costuma-se acreditar que tais estruturas devam vibrar sob a ação de carregamentos dinâmicos, como aqueles causados pelos expectadores em atividades de pular durante os jogos. De fato, devem, mas tais vibrações podem representar em algumas situações falsos alarmes, criando pânico e correria. O que pode levar a uma tragédia de proporções incalculáveis.

Em geral, situações de falsos alarmes são típicos de estruturas mal dimensionadas e que não levaram em conta em seu projeto a natureza dinâmica do carregamento e as devidas condições de contorno do projeto, como as condições de interação solo-estrutura, juntas de dilatação, aparelhos de apoio, etc. Além da deformabilidade dos materiais e sua capacidade de dissipar energia, amortecendo as ações dinâmicas.

A durabilidade pode ser entendida como “a manutenção dessas 3 qualidades ao longo da vida útil com custo limitado”. As estruturas são projetadas para serem duráveis, mas essa durabilidade depende de como a estrutura foi projetada, ou seja, elementos que estão presentes desde o início de sua vida útil podem interferir decisivamente para o encurtamento da mesma, passados muitos anos desde a sua concepção e construção.

As estruturas são projetadas para durar. Sob condições adequadas de operação e manutenção, em geral, negligenciadas no Brasil, as estruturas civis podem durar centenas de anos, ou milhares de anos. 
Todavia, não é assim que se projeta uma estrutura convencional hoje. Pouco importa o tempo, a duração e os meios de realizar tais manutenções. Isso é reservado apenas para as estruturas especiais, como grandes edifícios e pontes especiais (as estaiadas que vem sendo construídas recentemente no Brasil afora, por exemplo).
É usual estimar em 50 anos os horizontes de projeto, mas isso não significa que a estrutura vai durar apenas 50 anos. Muito menos que as intervenções e ações de manutenção devem ser feitas apenas a cada 50 anos. Isso é um mito! Esse número é apenas uma referência normativa para avaliar as questões de segurança de um projeto. E deve ser analisado com cautela, caso a caso.

Assiste-se recentemente no Brasil, cada vez mais, um número maior de colapsos de estruturas. Isso não necessariamente deve ser visto com alarme e sensacionalismo. Todavia, todo movimento gerado na mídia questionando a segurança das estruturas antigas não deve ser descartado e ignorado pelo meio técnico. 
O Brasil passa por um movimento de crescimento sem precedentes. Tal movimento leva ou força a substituição gradativa das estruturas antigas por estruturas novas. Quando isso não é feito, o que se faz é a adaptação ou reforma das existentes. 

As entidades responsáveis devem estar atentas para essas questões. E grupos de estudo para criar meios efetivos de fiscalização devem ser pensados urgentemente. 

Existem profissionais no Brasil capacitados para isso e com a devida experiência. Resta valorizar esse conhecimento e buscar viabilizar essas contribuições.

A Construção Civil Sustentável - um sonho possível

Por Ricardo Alvim, professor e pesquisador da UESC.

A construção civil sustentável é possível? Acreditamos que sim. Todavia, muitos desafios ainda precisam ser superados. Neste texto, veremos alguns desses desafios. E propostas que podem se tornar novos caminhos.

A Construção Civil convencional é a maior geradora de RCD - Resíduos de Construção e Demolição, gerando um volume quase duas vezes maior que o volume de lixo sólido urbano, em geral retroalimentado por obras ilegais e não fiscalizadas adequadamente. 


É responsável pelo consumo de grande parte dos recursos naturais extraídos do planeta, como 60% de toda a madeira extraída (dados da FAO), 40% da energia consumida e 15% da água potável.
Na construção de casas e edifícios no Brasil, estimam-se em 30% as perdas de materiais. Isso se deve ao baixo nível de controle da qualidade nos processos construtivos, técnicas equivocadas e projetos mal feitos.
No Brasil, estimam-se ainda que 80% das construções sejam feitas em sistemas em Concreto Armado, com vedações (paredes) feitas com blocos cerâmicos.

Quando não previstos em projetos (contabilizados), verificam-se enormes perdas de materiais, maiores custos de construção e atrasos decorrentes de adaptações, modificações, interações entre sistemas (hidráulico, elétrico, estrutural, entre outros), escolha incorreta de materiais e técnicas construtivas.
Ainda é muito frequente a quebra de paredes para instalações de tubulações elétricas e hidráulicas nas construções, com perdas que chegam a 15% de materiais.
Projetos estruturais mal executados levam a discrepâncias entre os diferentes sistemas existentes, que vez ou outra não deixam alternativa a não ser refazer parte da estrutura, desmontar, quebrar, furar, entre outras medidas corretivas, que levam ao aumento dos custos e atrasos.
Os sistemas hidráulicos e elétricos produzidos no Brasil apresentam pouca inovação tecnológica. São difíceis de instalar, operar e passar por manutenções. Aumentando o custo do uso e manutenção da construção, quando em operação. Além de não possuírem elementos de economia durante o uso, com tendência ao desperdício de água e energia elétrica. Um exemplo notório são os vasos sanitários produzidos no Brasil, que apresentam tecnologia antiga, gastando grande quantidade de água. Os sistemas mais modernos, a vácuo, são caros e não atingem a grande maioria da população. Ainda se tem como outro exemplo, torneiras pouco eficientes, tecnologicamente atrasadas e que jogam água literalmente no lixo, porque projetos que levam em conta o reúso da água ainda são pouco conhecidos da população e meio técnico em geral. Uma simples torneira, com um simples gotejamento, pode desperdiçar até 60 litros de água por dia.
Quando se trata de reúso da água, o problema se torna ainda mais sério, porque poucos são os cursos universitários preocupados em ensinar técnicas que permitam tais aproveitamentos, com previsão disso ainda na fase de projeto. A UESC está na vanguarda nesse sentido, prevendo diferentes disciplinas em sua matriz curricular onde tais temas são tratados.

A reutilização e reciclagem de materiais ainda está numa fase muito mais de "marketing" do que propriamente de realidade para o mercado brasileiro. Encontram-se exemplos de reciclagem, mas estão longe de se tornar algo incorporado as práticas da construção em larga escala.
Isso se torna ainda mais grave quando se considera que na Construção Civil boa parte das obras ainda é feita sem acompanhamento técnico de um profissional capacitado. Sendo o exercício ilegal da profissão prática pouco combatida no Brasil.
Na UESC, pesquisas com novos materiais compósitos têm permitido misturar em diferentes proporções isopor, fibras de piaçava e argamassa de cimento (Projeto Temas Estratégicos, Edital 8/2008, com apoio da FAPESB, intitulado: “Desenvolvimento de Novos Blocos de Alvenaria de Cimento Leve Reforçados com Fibras Vegetais”). Por esses estudos, os pesquisadores da UESC verificaram que a adição de fibras as argamassas de cimento leve permitem não apenas recuperar parte da resistência, perdida pela adição de isopor, EVA ou outros materiais leves, como modificar o modo de ruptura, que passa de frágil para dúctil.
A pesquisa vem dar origem a uma patente de um novo tipo de bloco de alvenaria, o bloco BIOLEVE S, que apresenta uma proposta de novo sistema construtivo, com encaixes que dispensam o uso de argamassa. Além do aproveitamento de cimento leve reforçado com fibras de piaçava na composição do material de fabricação. Também emprega uso de garrafas PET, tanto para gerar vazios que aumentem a leveza do material, quanto permitir servir de zonas de encaixe dos blocos. As pesquisa já estão em fase final, com ensaios em andamento e resultados experimentais promissores, que levaram ao pedido de patente, em curso. 

A incorporação de fibras vegetais em materiais de construção é, na verdade, prática antiga. Nascida na África e trazida para o Brasil com os escravos, vem do barro, é natural, foi e continua sendo usada em grandes e importantes civilizações. Trata-se do Adobe, que emprega apenas barro, palha e água para sua fabricação. Os resíduos são misturados e pisoteados até formarem uma massa homogênea, que quando está pronta é moldada em forma de blocos.

A valorização do antigo, atualizado por pesquisas, é sempre uma fonte de inspiração. A Bahia é um estado rico nesse sentido. E é possível aproveitar essa riqueza cultural com o correto incentivo a pesquisa dentro dos meios acadêmicos.
Para aqueles que têm dúvidas, na Alemanha, na cidade de Weilburg, encontra-se o prédio mais alto da Europa construído de terra crua (taipa-de-pilão). Com 7 andares, o prédio já resistiu a um incêndio e tem quase 200 anos.

Aqui, certamente enfrentar-se-ia toda sorte de questionamento ao usar tais materiais. Inclusive dessas culturas, intencionalmente plantadas, que consideram o reaproveitamento de materiais inadequado. Mais do que isso: perigoso. Isso não só não tem lógica como é possível facilmente acabar com tais mitos.