quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO PENSANTE NA ENGENHARIA

Por: Ricardo Alvim
Professor Titular da UESC

A formação de um "engenheiro indivíduo", com ideias próprias e capaz de inovar, não é tarefa das mais fáceis, especialmente se considerada a onda de massificação do ensino superior e busca por números de formados, deixando, por vezes, de lado a qualidade dessa formação. O estudante sai da faculdade “formatado”, em poucos casos informado, mas jamais formado.
Vamos então lembrar o que pensava o grande filósofo alemão, Arthur Schopenhauer sobre o papel da formação nas universidades (Danzig, 22 de Fevereiro 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro 1860).
Primeiro, para trazer ao contexto dos cursos de engenharia, ou da profissão de engenheiro, o pensamento de Schopenhauer sobre a arte da escrita e do pensamento na formação do homem individualizado, antes de tudo, precisa-se abandonar seus próprios ensinamentos.
Crítico atroz das meras reproduções do pensamento humano, Schopenhauer não se contentava em provocar. Seu pensamento ácido e agressivo provocava em seus leitores, à primeira vista, um sentimento de inquietação. Sobretudo, considerando suas contundentes opiniões sobre a arte da tradução: “Escreva seus próprios livros dignos de serem traduzidos e deixe outras obras como elas são.”, em seu texto Sobre a Escrita e o Estilo.
Mas o que isso pode contribuir para a formação de um engenheiro? É simples. Hoje, no Brasil a formação do engenheiro é medida apenas por números, ficando de lado o caráter individualizado da formação, com exceção de poucos centros de excelência. Isso quer dizer que prefere-se formar o óbvio e “aquilo que é buscado pelo mercado” do que um profissional novo, capaz de recriar sua própria formação.
Vamos tomar inicialmente os pensamentos do filósofo Schopenhauer sobre o ensino em si, e consequentemente a posição do estudante. De acordo com essas ideias, nenhum estudante deveria ter permissão para freqüentar a universidade antes de completar vinte anos, onde teria a maturidade para melhor escolher a profissão. Depois deveria ser, por força de lei, no primeiro ano, obrigado a fazer apenas os cursos de filosofia.
Ora, tal pensamento, se não forçado por lei, caberia ser avaliado nos dias de hoje, seja pela imaturidade verificada na chegada dos estudantes no ensino superior, e disfarçada nos bancos do ensino médio, ou pela grande ansiedade e cobrança do mercado e sociedade pela formação rápida e muitas vezes incompleta dos jovens graduandos.
Disso decorre nosso primeiro argumento pela formação plena do indivíduo: a formação do engenheiro deve ser ampla e irrestrita.
Para isso, o primeiro passo se dá com o alargamento do tempo de formação, onde permite-se maior contato com o saber, do básico ao técnico. Defesa que se faz presente na opção por cursos de engenharia mais longos.
São absurdas as leituras da legislação vigente para as 3600 horas mínimas de formação do engenheiro, da RESOLUÇÃO CNE/CES 11, DE 11 DE MARÇO DE 2002. Esse deveria ser o mínimo para a formação específica, somadas apenas as matérias básicas da área de formação.
Como afirma o emérito professor Péricles B. Fusco, da USP: “a formação de um engenheiro deve ser composta por uma combinação harmoniosa de conhecimentos científicos e técnicos, complementados por conhecimentos humanísticos que lhe permitam uma compreensão social do seu trabalho”. E como fazer isso sem o fator tempo?
Essa formação deve ser assim harmoniosa, pois a função complementar do conhecimento não deve ter um caráter estanque, mas persuasivo, entremeado no exercício profissional. E isso só se dá respeitando-se o poder da reflexão do indivíduo sobre o conhecimento adquirido, que só converge no tempo.
E então propõe-se a segunda instância e elemento da formação do engenheiro: o conceito vale mais que a aplicação.
Os fundamentos humanísticos na formação são de fundamental importância, sobretudo quando são cercados pela realidade do metiê, em consonância com um velho ditado espanhol: mas sabe el necio en su casa, que el sabio en La agena [mais sábio o ignorante em sua casa do que o sábio na casa alheia]. Não adianta, pois, o ensinamento do pensamento alheio, mas a vivência dos seus próprios valores.
Então, na construção do pensamento amplo do exercício da inovação é necessário rever a própria função docente, permitindo o contato do professor com empresas e mercado. Os professores, inteirados das necessidades nos diferentes setores da sociedade, aplicam seus fundamentos teóricos e permitem-se criar novas aplicações desse conhecimento, indo ao encontro das demandas existentes ou na criação de novas oportunidades, empurrando a barreira do conhecimento vigente e inovando. E permitindo, por meio da pesquisa e desenvolvimento, tornar o aluno apto não apenas a conhecer o seu metiê, mas criar novos nichos de atuação.
Tais propostas parecem óbvias, uma vez que já foram exploradas por instituições de ensino por todo o país, mais como propagando do que realmente como valores e práticas vigentes. A velha campanha para o “aprender na prática” ficou tão surrada quanto a incapacidade de verificar os reais motivos pelos quais tal modelo não funciona no ensino superior. E os profissionais formados são então rejeitados pelo mercado.
Verdadeiramente, fazer apreender na prática não é uma fórmula unilateral, onde apenas trazer os problemas de mercado para a academia não é suficiente. É necessário buscar novas fronteiras para o saber. O que é apenas possível ao revisitar as ciências básicas, pouco valorizada em nosso país.
Disso vem a última, e não menos importante, ideia: a formação do indivíduo é sempre uma tarefa única, indivisível e que não pode ser massificada.
A grande diferença na formação das principais instituições de engenharia no mundo, consideradas centros de excelência, é que nestas escolas não se forma um indivíduo para o mercado, mas um mercado novo na forma de um indivíduo.
Isto é, o profissional formado por essas escolas cria e recria muitas vezes sua própria profissão. Seja pela inovação, e pela capacidade de criar novas soluções para problemas antigos, novas leituras de produtos e serviços, ou seja, novas tecnologias.
O que devemos buscar então? Novos engenheiros ou “novas engenharias”?
Tempo, conceito e individualização do conhecimento são três elementos fundamentais nos dias de hoje para forçar as barreiras tecnológicas no país, retomar o rumo da inovação e liderar setores tecnológicos ainda não criados. Isso renderá, certamente, mais progresso ao Brasil do que apenas engenheiros em número.
As “novas engenharias” são na verdade novas formas de engenhar, buscar soluções e criar novas técnicas. Técnicas pautadas, em sua mais profunda base, em ciência pura, na capacidade de abstrair e na lógica. 
Inovar na engenharia é preciso, como precisa, e única, é a receita para a inovação.
As Ciências Exatas devem ser essa base, em todas as suas formas puras e capacidades. Para formar não o pensamento escravo da razão alheia, mas novas ideias, livres e originais. Onde o banco da escola passa a ser um elemento secundário na formação. E não um processo de transmissão passiva do conhecimento.
O aprendiz só é verdadeiramente ativo nesse processo de apreender quando se torna independente do mesmo. E só nasce para esse fim quando consegue olhar para si mesmo de forma individualizada.
Transcorrido certo tempo, vem a capacidade de abstrair. De imaginar novas fronteiras. Observada a barreira do conhecimento não pela fórmula alheia, mas pelo questionamento das regras vigentes.
A concepção desse novo aparato apresenta-se então pelo questionamento das formas e das funções das coisas no mundo real. Nesse momento, devemos perguntar se estamos concebendo o novo ou rebatizando o que já existe.
E a universidade é apenas o primeiro passo nesse processo.

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