sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tecnologias para prevenção de deslizamentos de terra

Por: Prof. Ricardo Alvim
Doutor em Engenharia Civil / Estruturas
Professor da UESC/DCET

A tragédia que afetou a zona serrana do Rio de Janeiro traz imediatamente o questionamento sobre quais medidas poderiam ser tomadas para evitar ou prevenir eventos de extensão como as verificadas. Todavia, a questão é complexa e envolve múltiplas variáveis. E o seu entendimento, e buscas por soluções, diferentes especialidades e tecnologias.

No sentido de buscar uma reflexão sobre o que poderia ser feito no futuro para prevenir ou minimizar os efeitos mortais de desastres naturais como esse, busca-se aqui apresentar algumas tecnologias e estudos realizados no mundo sobre o tema e seus resultados.

Primeiramente, é necessário considerar que talvez nenhum desses estudos pudesse prever algo da magnitude dos episódios registrados no estado do Rio de Janeiro, mas é dever da Engenharia Civil nacional buscar novos estudos e avançar rumo a novas pesquisas, o que certamente exigirá investimentos na área de Geotecnia, Hidromecânica, Estruturas, entre outras.

Um dos problemas da zona serrana do Rio afetada pelo desastre é que as encostas nessas cidades foram ocupadas de forma desordenada. Mas essa é uma realidade que se estende por todo o país e não cabe aqui um pré-julgamento sobre causas e culpados. 

Então, buscar novos estudos e pesquisas vai ao encontro das necessidades brasileiras, e não apenas do Sudeste. Em menores proporções, assistiu-se nos últimos anos tragédias também em estados do Nordeste, como Alagoas e Pernambuco, recentemente. Mas nada que se assemelhe ao que aconteceu no Rio este ano, talvez entre as maiores tragédias desse tipo registradas nos últimos 100 anos no mundo.

Por outro lado, a ocupação das encostas não explica inteiramente a tragédia no Rio. A avalanche, de lama, água, pedras, árvores e outros materiais, veio como uma massa letal, com grande inércia, destruindo tudo pelo caminho e atingindo as zonas mais baixas das encostas também.

Não é possível afirmar se essas zonas também seriam atingidas sem a ocupação das encostas. Todavia, é certo que essas cargas e, principalmente, as mudanças aceleradas desses carregamentos no tempo contribuem para eventos dessa natureza. Por isso, o marco legal de ocupação do solo deve também ser vinculado a questão. O que pode encontrar elementos técnicos da Geotecnia para a definição das áreas que podem ou não ser ocupadas.

A primeira etapa nesses estudos sobre prevenção de avalanches, de terra ou neve, passa pela elaboração de modelos computacionais que permitam entender o comportamento da encosta carregada, como neste estudo de Francesca Casini, Sarah M. Springman e Amin Askarinejad (do ETH Zürich, Institute for Geotechnical Engineering) e John Eichenberger, Lyesse Laloui (EPF Lausanne, Soil Mechanics Laboratory).

Por este modelo hidromecânico, Fig. 1, é possível, por modelos constitutivos e de elementos finitos, prever o ponto crítico de deslizamento de solos insaturados sob condições de permeabilidade e infiltração de chuva.

Fig. 1 - Modelo hidromecânico de comportamento do solo nas encostas carregadas

Deformações desviadas são observadas na iminência do colapso, com compressão das regiões na montante da massa deslocada, e na parte inferior da zona colapsada. O que permite buscar zonas de interesse para monitoração, Fig. 2.


Fig. 2 - Deformações desviadas e compressão da base do talude



É necessário compreender que a saturação do solo pode contribuir para o deslizamento do solo e aumentar o risco de deslizamentos de taludes, aumentando o peso da camada sobre o talude e diminuindo a resistência ao cisalhamento do solo pelo aumento da pressão da água, como no estudo realizado por Peter Kienzler (Institute for Geotechnical Engineering, ETH Zurich) e Cornelia Brönnimann (GEOLEP, EPFL). As características de saturação e drenagem do solo são decisivas  para o controle e prevenção ou avisando sobre a forma do colapso, Fig. 4.











Fig. 4  -  Drenagem do   solo


Na monitoração de um talude por 11 dias, em uma área de 5 m x 10 m, instrumentada, em Wiler (Lötschental, VS), foi possível verificar que uma combinação de atrito interno e drenagem do solo foi responsável pela continuação estável do deslizamento, Fig. 5.




Fig. 5 - Controle de drenagem do solo


Outras tecnologias vêm sendo adaptadas para detecção de avalanches, para prevenção de deslizamentos de solos, como no estudo realizado por Gernot Michlmayr (1), Alec van Herwijnen (2), Jürg Schweizer (2), Denis Cohen (1), Dani Or (1). (1) ETH Zürich, Soil and Terrestrial Environmental Physics; (2) WSL Institute for Snow and Avalanche Research SLF, Davos.

Neste estudo, buscou-se identificar o deslizamento pela monitoração de ondas de choque e controle de vibrações na iminência do colapso, Fig. 6.


Fig. 6. Equipamentos para monitoração da vibração da massa

Na análise dos solos, verificou-se uma relação entre os picos (amplificações do sinais monitorados por acelerômetros) com as relações entre as emissões de ruídos e as forças de cisalhamento. Na Fig. 7, as tensões de cisalhamento, em azul, e as taxas de emissão acústicas (AE), em vermelho, mostram grandes amplificações, picos de emissão acústicas, em laranja, acontecendo juntamente com saltos das forças de cisalhamento resistentes, em azul.

Fig. 6 - Relações entre tensões de cisalhamento e emissões acústicas

Vale mencionar que o Brasil possui, em sua comunidade técnica, pesquisadores envolvidos com estudos semelhantes, que certamente poderão contribuir com métodos preventivos e novas tecnologias para minimização dos efeitos de deslizamentos de terra com a diminuição do número de óbitos.

Para isso, o país deve refletir sobre a necessidade de novas pesquisas nessas áreas. Por muitos anos, o Brasil foi considerado um país livre de desastres naturais. Em todo mundo, milhões de dólares são investidos em prevenção de desastres e minimização de seus efeitos, em terremotos, maremotos, furacões, entre outros. 

Por aqui, é preciso repensar as linhas de financiamento e também as prioridades dos orgãos de fomento, permitindo desenvolver essas áreas do conhecimento das engenharias.

2 comentários:

  1. Olá Alvim,
    Muito bom seu artigo.
    Somente para complementá-lo com a informação de que minha dissertação de mestrado usou técnicas de Inteligência Artificial para calcular o risco de colapso de taludes monitorados ao longo de um trecho da BR-040. E isto já faz uns 15 anos! Fiz meu mestrado lá mesmo em Nova Friburgo, no Campus da UERJ que foi severamente atingido agora.
    Um abraço,
    Aprigio Bezerra.

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  2. Prezado Prof. Alvim,
    Acredito que o caminho para a mitigação de tais eventos passa realmente pela integração de tecnologias, tal como você propõe em seu artigo. Concordo que prever tais acontecimentos seria realmente improvável. No entanto, como engenheiro civil não aceito culpar somente a "chuva" pelo ocorrido. É claro que este tipo de argumento tem diversas implicações políticas e sociais.
    Seu artigo é realmente compatível com o estado da arte na prevenção de avalanches ou deslizamentos. Para complementar seus comentários, posso citar a experiência da Geo Honk Kong que desde os anos 70 vem identificando áreas críticas, monitorando movimentos, educando os moradores e reduzindo o risco em áreas de encostas. Outro bom exemplo acadêmico deste tipo de tema é a escola LARAM (Universidade de Salerno - Itália) que todo o verão reune doutorandos de todas as partes do mundo para cooperar em torno da prevenção de acidentes relacionados com corrida de massa.
    Prezado amigo, fica aqui minha admiração pelo seu trabalho. Os desafios da engenharia nacional passam pela integração de idéias e processos. Parabéns.

    Alexandre Saré
    Eng. Civil - Geotécnico

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